terça-feira, 24 de março de 2009

O último teorema de Fermat

No início do século XVII, a maior parte dos matemáticos eram amadores, o que não impediu o aparecimento de figuras decisivas para um período dos mais cruciais para a história da matemática. A França, durante o segundo terço deste século, constitui o centro, por excelência, da matemática. As figuras principais foram Descartes, Fermat, Torricelli (Gilles Persone de Roberval), Desargues, Pascal e Mersenne (Boyer, 1996).
A atividade destes matemáticos, num período em que não existiam revistas científicas, tinha por base círculos de discussão e uma constante correspondência. De certa forma, em oposição às universidades, que se mantinham fiéis ao escolástico medieval surgem academias, à volta dos grupos de discussão de homens cultos que, pelo contrário, exprimiam o novo espírito de investigação (Struik, 1989).
O padre Mersenne (1588-1648) desempenhou um papel de grande importância. Lutou contra a atmosfera de segredo, encorajando todos os matemáticos a exporem as suas idéias. Contribuiu assim, de modo decisivo, para o desenvolvimento de uma ciência que estava em risco de permanecer oculta nos manuscritos secretos de cada matemático (Singh, 1998).
A matemática desenvolve-se mais em termos de lógica interna do que sob a acção de forças econômicas, sociais ou técnicas (Boyer, 1996). A atividade dos matemáticos estendeu-se a muitos campos. Enriqueceram os assuntos clássicos com resultados originais, lançaram novas luzes sobre campos antigos e criaram mesmo novos temas de pesquisa matemática. Um exemplo do primeiro caso foi a teoria dos números estudada por Fermat num livro de Diofanto; um exemplo do segundo caso foi a nova interpretação da geometria; a teoria matemática das probabilidades foi uma criação inteiramente nova. Contudo, os grandes desenvolvimentos da matemática, aconteceram na geometria analítica e na análise infinitesimal (Struik, 1989).
Com a morte de Desargues em 1661, de Pascal em 1662 e de, Fermat em 1665 encerrou-se um grande período da matemática francesa (Boyer, 1996).



Pierre de Fermat nasceu em Agosto de 1601, na cidade de Beaumont-de-Lomagne, em França, e morreu em Janeiro de 1665, em Castres (também em França).
O pai, Dominique Fermat, era um rico mercador, o que lhe permitiu proporcionar ao filho uma educação esmerada. Primeiro, estudou no Mosteiro Franciscano de Grandselve, frequentou em seguida a Universidade de Toulouse e, mais tarde, licenciou-se em Direito na Universidade de Orléans.
Por influências familiares, Fermat seguiu a carreira de funcionário público, tornando-se um magistrado muito conceituado. Mais tarde, ascendeu à posição de conselheiro do rei no Parlamento de Toulouse. Quando um cidadão queria interpor um requerimento ao monarca, sobre qualquer assunto, primeiro tinha que convencer Fermat da importância do seu pedido.
Por volta de 1652, Fermat foi atingido pela peste que, nesta altura, devastava toda a Europa. Ficou tão doente que chegou a ser anunciada a sua morte. Por ser de temperamento pacato e tentar evitar chamar as atenções sobre si, adoptou a estratégia de ficar a maior parte do seu tempo recolhido em casa, onde se entretinha com a literatura clássica e com o estudo da Matemática. Não se interessava por polêmicas, não tinha apetite de glória, não se preocupava com prioridades das suas descobertas, não procura mesmo publicar os seus resultados. Na verdade, Fermat era um verdadeiro amador e não um matemático profissional.
Curiosamente, quando Julian Coolidge escreveu A Matemática dos Grandes Amadores, exclui Fermat com a justificação de que ele era «realmente tão grande que deveria ser considerado profissional». (Singh, 1998)
Marin Mersenne (1588-1648), um grande amigo de Fermat, foi um grande impulsionador da matemática, servindo como centro de distribuição de informação, através da correspondência trocada com outros matemáticos, pois gostava de espalhar as últimas descobertas e era contra a atmosfera de segredo tradicional. Mersenne parece ter sido o seu único contacto regular com matemáticos.
Mersenne tentou encorajar Fermat a publicar os seus trabalhos e as suas demonstrações, mas este recusou sempre. Para ele, a publicação e o reconhecimento nada significavam. Ficava satisfeito com o simples prazer de criar novos teoremas.
Não é pois de estranhar que a sua obra tenha ficado quase toda registrada na sua numerosa correspondência com os outros matemáticos da época, em textos não publicados, em notas marginais e comentários escritos em livros. O desenvolvimento dedutivo é muito restrito. A maior parte das vezes, fermat limita-se a deixar uma série de teoremas cujas demonstrações eram conhecidas, quanto muito, só por ele.
Fermat tinha também um lado provocador quando comunicava com os outros matemáticos. Escrevia cartas expondo os seus teoremas, mas sem a respectiva demonstração. Desafiava-os a encontrarem a prova, e nunca revelava as suas demonstrações. Descartes chamava-o «um gabarola» e John Wallis referia-se-lhe como «esse maldito francês».
Ao restaurar o livro Plane Loci (Lugares Planos) de Apolónio, baseando-se na Colecção Matemática de Papus, Fermat descobriu 'o princípio fundamental da geometria analítica'.
Fermat esteve profundamente envolvido na fundação de outra área da matemática, o cálculo infinitesimal. As consequências do seu trabalho ajudaram a revolucionar a ciência, permitindo aos cientistas compreender melhor o conceito de velocidade e a sua relação com a aceleração. O próprio Newton (1642-1727), que foi quem desenvolveu e aprofundou esta área da matemática, baseou a sua teoria no método de traçar tangentes de Fermat.
Influenciado pela leitura de uma cópia da Arithmetica de Diofanto, traduzida por Claude de Bachet (1591-1639), Fermat conheceu as propriedades e as relações entre os números, que o atraíram e fascinaram levando-o a desenvolver o que hoje chamamos a teoria dos números.
A única ocasião em que Fermat discutiu ideias com outra pessoa, excepto Mersenne, foi por volta de 1655, na troca de cartas com Pascal (1623-1662). Desta correspondência vai nascer um ramo inteiramente novo da matemática - a teoria das probabilidades. Pascal também insistiu com Fermat para que publicasse o seu trabalho, ao que este lhe respondeu:
Mesmo que o meu trabalho seja julgado merecedor de publicação, não quero que o meu nome apareça nele. (Singh, 1998)
Fermat, também, enunciou o que é hoje conhecido como o princípio de Fermat da óptica: ao percorrer a distância entre dois pontos, a luz segue sempre o trajecto mais rápido. Na altura este princípio não foi bem aceite pelos outros matemáticos.
O acesso à obra de Fermat fez-se, sobretudo, através das notas que foi deixando nas margens dos livros da sua biblioteca e da correspondência partilhada com outros matemáticos. A nota mais célebre que Fermat deixou foi a que escreveu na margem do livro Arithmetica, onde enunciava a proposição: " Não é possível determinar x, y, z e n números inteiros positivos, com n>2 tal que xn+yn=zn", que ficou conhecida como 'O Último Teorema de Fermat'.
Fermat pode, com perfeita justiça, ser considerado o príncipe e patrono dos apaixonados pela matemática. (Guzman, 1990)



Foi depois de ler uma série de observações e problemas relativos ao Teorema de Pitágoras e aos triplos pitagóricos, que Fermat olhou mais atentamente para a equação: x2+y2=z2, que tem infinitas soluções e a modificou de modo a obter uma muito semelhante. Passou a considerar uma nova equação em que o expoente era maior do que dois e chegou à proposição: xn+yn=zn, com n>2 e x, y ,z e n inteiros positivos, não tem soluções.
Fermat não formalizava as suas conclusões. Contentava-se em rabiscar o que era necessário para se recordar de que tinha encontrado uma solução. Muitas vezes usava as margens dos livros para esboçar um comentário, um raciocínio, um pensamento ou alguma nota que achasse mais interessante.
Junto do problema que suscitou aquela nova proposição escreveu, então, a seguinte nota:
"É impossível para um cubo ser escrito como a soma de dois cubos ou uma quarta potência ser escrita como a soma de duas quartas potências ou, em geral, para qualquer número que é uma potência maior do que a segunda, ser escrito como a soma de duas potências com o mesmo expoente." (Singh, 1998, p. 82)
Contudo, não apresenta nenhuma demonstração e, na margem do livro, acrescenta apenas:
Descobri uma demonstração maravilhosa desta proposição que, no entanto, não cabe nas margens deste livro. (Aczel, 1997)
Este resultado correu o risco de cair no esquecimento, pois Fermat nunca o revelou aos matemáticos seus contemporâneos. Não fosse o seu filho mais velho perceber a importância das notas escritas pelo pai no exemplar da Arithmetica, reuni-las e publica-las numa edição especial, a Arithmetica de Diofanto Contendo Observações por P. de Fermat, em 1670, não teríamos tomado conhecimento da sua existência. As 48 observações apresentadas neste livro não estavam acompanhadas da respectiva demonstração, mas acabaram por ser provadas, uma após outra, sendo esta, a última. Por esta razão, ficou conhecida como 'O Último Teorema de Fermat' (Singh, 1998).
Capa da edição especial com as notas de Fermat
A página que contém a famosa observação
Este misterioso comentário manteve gerações de matemáticos ocupados. Durante os séculos seguintes, tentou-se encontrar, de algum modo, uma demonstração da proposição ou constatar que era falsa, o que não aconteceu até 1994. Se Fermat tinha realmente uma demonstração, ninguém sabe. O que sabemos actualmente, é que a demonstração encontrada requer métodos que não estavam disponíveis no século XVII. Mas quer Fermat tenha notado qualquer coisa que escapou a toda agente desde então, quer se tenha iludido a si próprio, a sua observação quase casual, foi responsável por uma vasta quantidade de matemática, como por exemplo, a descoberta da teoria dos Anéis Comutativos.
De Fermat, conhece-se apenas um esboço de demonstração para n=4. Euler conseguiu uma demonstração para n=3 e o caso n=5 foi provado por Dirichlet, em 1828 e por Legendre, em 1830. Em 1832, Dirichlet prova o resultado para n=14 e em 1839, Gabriel Lamé sugeriu uma demonstração para n=7, mas não estava completamente certa. Sophie Germain provou que se p é primo ímpar menor que cem, a equação não tem solução em inteiros não divisíveis por p. Kummer demonstra o último teorema de Fermat para expoentes n que são primos regulares (inclui todos os primos menores que 100 excepto o 37, 59, 67). Em 1980, Wagstaff mostra que o teorema é válido para todo o n até 125 000 (Stewart, 1995).
Kummer, em 1847, na tentativa de demonstrar o 'Último Teorema de Fermat', criou o método dos divisores complexos, a que chamou números complexos ideais, contribuindo para o desenvolvimento da teoria dos números (Dantzig, s.d.).
Em 1983, Gerd Faltings descobre que para todo o n>3, a existirem soluções da equação de Fermat, estas são em número finito e mais tarde, D. R. Heath-Brown provou que a proporção de inteiros positivos n para os quais a equação não tem soluções, tende para 100% quando n aumenta (Stewart, 1995).
O 'Último Teorema de Fermat' alcançou grande popularidade pela sua resistência aos poderosos métodos de demonstração da teoria dos números e por ter sido objecto de vários concursos públicos que envolviam avultadas recompensas. Por exemplo, em 1908, o professor Paul Wolfskehl da Real Academia de Göttingen, Alemanha, oferecia um prémio de 100 000 marcos à primeira pessoa que desse uma demonstração completa da conjectura de Fermat. Devido à inflação que se seguiu à 1ª Grande Guerra Mundial, o valor económico deste prémio ficou reduzido a quase nada. Todos os anos, eram enviadas para a Academia, um grande número de «soluções» incorrectas, incluindo algumas de matemáticos profissionais, que chegaram mesmo a publicá-las. Sem excepção, em todas elas foram descobertas algumas falhas (Courant & Robbins, 1958).
Em 1920, quando perguntaram a Hilbert, porque não tentava descobrir uma demonstração, ele respondeu: "Antes de começar, deveria passar três anos a estudar intensamente, e não tenho assim tanto tempo para desperdiçar num provável fracasso." (Stewart, 1995)

No dia 23 de Junho de 1993, após sete anos de trabalho, o matemático Andrew Wiles anuncia, numa conferência do Sir Isaac Newton Institute for Mathematical Sciences em Cambridge, ter encontrado uma demonstração para o resultado enunciado por Fermat mas, pouco tempo depois, é verificada uma pequena falha. Wiles retira-se durante mais um ano e, finalmente, surge com a demonstração reformulada. Em Novembro de 1994, depois de alguns meses de apreciação das 200 páginas, a sua demonstração é definitivamente aceite. Trata-se de uma demonstração de tal forma técnica que apenas algumas dezenas de matemáticos em todo o mundo estarão em condições de seguir o raciocínio (Aczel, 1997).
Andrew Wiles na conferência em Cambridge

"O 'Último Teorema de Fermat' é um exemplo de um teorema tão bom, que até os seus fracassos têm enriquecido a matemática de uma forma impossível de quantificar." (Stewart, 1995)

Existem disponíveis outros sites, onde se podem encontrar histórias que envolvem 'O Último Teorema de Fermat' e o desafio pessoal que a sua demonstração constituiu para Andrew Wiles.

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